O cão é o melhor amigo do homem há 12.000 anos. Nenhuma amizade duraria tanto não fosse construída sobre a sólida base de compreensão mútua e companheirismo. O animal vive em nossa casa, ajuda no trabalho do campo, serve de vigia, brinca com as crianças e nos recebe com festas no fim do dia. Enfim, é praticamente um membro da família. Não é difícil entender por que muita gente, encantada com as habilidades do animal, se deixa convencer de que seu bicho de estimação compartilha sentimentos tipicamente humanos, como ciúme, inveja, vaidade e até algum tipo de pensamento canino. Bem, para início de conversa, é bom dizer logo que cão não pensa. A noção de pensamento está ligada à capacidade de conceituar e abstrair o mundo que nos rodeia e de utilizar a linguagem. "Por esse critério, só o homem é capaz de pensar", observa Renato Sabbatini, neurocientista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador do primeiro laboratório a estudar as bases neurológicas do comportamento animal no Brasil.
Já inteligência é outra história. Uma definição bem-aceita de inteligência a caracteriza como a capacidade de resolver problemas empregando processos cognitivos como memória, aprendizado, raciocínio e comunicação. Com certeza o comportamento dos cães demonstra fortes indícios de inteligência – mas até onde pode chegar a compreensão desses animais?
A habilidade de responder prontamente ao menor gesto ou aos sinais de alteração de humor de uma pessoa faz com que se tenha a impressão de que o cachorro é capaz de entender como seus donos pensam. "Na realidade, o cão não consegue interpretar os pensamentos e sentimentos do homem, apenas responde aos sinais externos emitidos por ele", disse a VEJA o psicólogo americano David Premack, especialista em comportamento animal da Universidade da Pensilvânia. Uma pesquisa feita no ano passado pela americana Alexandra Horowitz, da Barnard College, em Nova York, concluiu que os caninos têm uma forma muito rudimentar da chamada "teoria da mente" – que se refere à habilidade de um indivíduo de se colocar no lugar do outro. Eles são capazes de projetar no homem percepções e intenções, desde que isso dependa apenas de uma análise do ambiente que os cerca. Por exemplo: um cão consegue avaliar se determinada comida está fora do alcance de seu dono, para roubá-la sem ser notado, e pode tentar pegar a comida antes, se perceber que a intenção do dono é disputá-la.
MITO: OS CULPADOS
A associação com o homem representou uma tremenda vantagem na luta pela sobrevivência. A adaptação canina foi tão completa que certas características do comportamento humano foram de fato transmitidas para o cão. Mas, também nesse aspecto, é prudente não exagerar. "Meus cachorros sabem muito bem quando fazem algo errado e se sentem culpados", diz Carla Rosanova Sotto, funcionária pública em Brasília e dona de um boxer e dois poodles. Certa vez, quando dava uma festa, ela entrou na cozinha e encontrou os petiscos e canapés espalhados pelo chão. "Não havia nem sinal dos cães, porque nessas ocasiões eles saem de mansinho, se escondem e, quando me encontram, desviam o olhar", diz Carla. Ela define o comportamento deles como "envergonhado". Não é nada disso. "Eles sabem que vão levar uma bronca porque percebem que o dono está nervoso ou porque, no passado, aprenderam que, quando ele entra na cozinha e há bagunça no chão, são castigados", explica o zootecnista Alexandre Rossi, especialista em psicologia canina e um dos responsáveis por uma pesquisa que reuniu mais de 1.000 relatos de donos de cachorros sobre as habilidades de seus cães. Em experiências que simularam situações desse tipo, nem sempre o animal que se escondia ou colocava o rabinho entre as pernas tinha sido o responsável pela bagunça.
MITO: OS CIUMENTOS
Os cães têm apenas emoções simples, como alegria e tristeza. Para sentir vergonha ou culpa (ou ciúme) seriam necessários raciocínios complexos e julgamento de valor, que eles não são capazes de fazer. Por isso, também não adianta esfregar o focinho do cachorro na bagunça e gritar com ele, para que aprenda a não fazer mais isso, como muita gente acredita. O animal simplesmente não é capaz de compreender que ao apontar a bagunça você está querendo mostrar sua irritação com algo que ele fez no passado. A punição só tem efeito se ele for pego no flagra. "A memória de longo prazo do cachorro é limitada e não lhe permite associar a bronca com algo que fez uma ou duas horas atrás", disse a VEJA o psicólogo americano Clive Wynne, da Universidade da Flórida, autor do livro Animais Pensam?.
MITO: OS VINGATIVOS
O mesmo raciocínio vale para a crença de que alguns cães tomam atitudes vingativas. "Lola" e "Napoleão", a dupla de basset hounds do administrador de empresas Denis Jorge, roeram a fiação e o reboco das paredes quando, por uma mudança em sua rotina profissional, ele reduziu as caminhadas diárias que fazia com os animais. "Foi uma forma de protestar para eu retomar os passeios", entendeu Denis. Mais uma vez é uma interpretação humana para um comportamento canino. "Ficar sozinho provoca ansiedade no cão e, como não há ninguém para impedir, ele extravasa fazendo coisas que lhe dá prazer", disse a VEJA o psicólogo americano Stanley Coren, da Universidade de British Columbia, no Canadá, autor do livro Como Pensam os Cães. Roer libera dopamina no cérebro do animal e o faz se sentir bem. Se a vítima é aquele sapato que custou os olhos da cara é porque o calçado provavelmente tem um cheiro familiar. Na ausência do dono, os cachorros buscam interagir com objetos que evocam a sua presença.
MITO: OS VAIDOSOS
Os cães têm uma percepção do mundo a sua volta bem diferente da humana. Enquanto 70% das informações recebidas pelo homem são visuais, os caninos se guiam principalmente pelo olfato e pela audição. A quantidade de células receptoras do olfato em um cachorro é quarenta vezes maior e seu ouvido consegue captar sons que estão a uma distância quatro vezes maior que a percebida pelo homem. Isso significa diferenças tão profundas que muitas vezes escapam à compreensão do dono do animal. "A 'Kika' é muito vaidosa, adora coisas de menina como roupas cor-de-rosa", diz a curitibana Sonia Mocelin Schiller, sobre sua cadelinha lhasa apso. Bem, o olho canino só percebe alguns tons de cores. Cães não se sentem bonitos ou feios. Na verdade, sua autoconsciência é limitada. A satisfação da cadelinha Kika nada tem a ver com a roupinha feminina. O cão fica alegre porque seus donos reagiram da mesma maneira. Engana-se quem acha que o seu cachorrinho tem ciúme do bebê porque pensa que o dono gosta mais do recém-chegado. Tudo o que ele consegue identificar é que alguém está recebendo uma atenção que ele gostaria de ver dirigida para ele. Cachorro, apesar das aparências, não é gente.
(Abaixo há um *excelente* resumo que foi publicado juntamente com a reportagem. Vale a pena guardar para futuras referências. Cliquem na figura para ampliar.)
Leiam a matéria completa em: http://veja.abril.com.br/160806/p_102.html
Muito bom o artigo, é sempre bom saber um pouco mais sobre "nossos filhos adotivos".
ResponderExcluirQue bom que gostou, Iohann!
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